Mindelact – um paradigma cénico
Como que num ritual, em Setembro, regressou o Mindelact – Festival Internacional de Teatro à pacata cidade do Mindelo. E tudo se transforma, o tempo é outro, os espaços ganham magia e fazendo jus ao «mito do eterno retorno» teatral, a magia cruza-se com as gentes. Na sua décima segunda edição, este festival confirma já o seu lugar cimeiro nas artes cénicas de Cabo Verde e é referência já consumada das experiências teatrais africanas. Apesar das parcas condições de produção teatral vivida no país, este projecto é símbolo ímpar de organização e eficácia.
Este ano o festival começou logo com a amputação dos recursos financeiros, mas que apesar de tudo não acinzentou esta festa, devido ao espírito da equipa de produção, que teimosamente se esforça por gerir este acontecimento sem se deixar cair no desânimo. Vem provar que já nada fará demolir este festival, já é um acontecimento que faz parte da vida dos cabo-verdianos. E assim aconteceu!
A programação do festival, como aconteceu nos anos anteriores prezou pela variedade, sendo que ao nível da qualidade sentiu-se alguma expectativa frustrada. Alguns grupos foram presença repetida, o que pesou um pouco na avaliação por parte do público, que a cada ano que passa está mais exigente, como se espera. O que vem por si demonstrar que o festival cria já um universo de expectativa, faz já parte do projecto teatral desta nação. E nos pós-espectáculos vive-se informalmente momentos fantásticos de reflexão colectiva sobre o fazer teatral.
Vindos de Portugal, Brasil, Canárias, Espanha, Angola e das ilhas, os grupos convivem lado a lado, trocando experiências tanto teatrais como pessoais. Mas apesar deste saudável intercâmbio ainda se sente alguma timidez por parte dos grupos nacionais, que teimam em se manter um pouco à parte desta troca, com excepção dos grupos de S. Vicente, que por questões práticas quase todos têm elementos na organização o que facilita o convívio. Apesar de algumas situações menos lúcidas acontecidas no pré-festival com o grupo Solaris, o certo é que a energia que pairava no festival fez esquecer estes pequenos quiproquos e aí os tivemos, os elementos do Solaris a construírem eles também esta festa. O que demonstra o poder do Mindelact. O espírito de Dionisios esteve sempre bem presente entre o palco principal, o pátio e a rua.
E este espírito dionisíaco foi vivido em pleno no quarto dia do festival. Completamente off off, os grupos se cruzaram no bar do festival e entre palavras e músicas sente-se um verdadeiro ritual orgiástico de partilha de mundos e experiências. Por volta da meia-noite no Centro Cultural do Mindelo, cantou-se o fado, a morna, o flamengo andaluz e palavras cruzadas de outros mundos, num perfeito improviso de festa e assim se sentiu a verdadeira consciência de festival, de mundos que se cruzam, não só mundo teatrais mas experiências pessoais ricas de emoção e risos. E o brilho desta noite teve eco nos dias seguintes, ecos de felicidade, de cumplicidade. Pois, como mesmo salienta o seu director, este festival é batalha ganha, mais que não seja, pelo sentido de partilha, de amizade e criatividade vivido entre os grupos participantes.
Mas sente-se que as questões de qualidade têm peso fundamental na apreciação do festival, e o público já não é de conquista fácil, já não se deixa deslumbrar pela única questão de concretização de um festival, é exigente, o que me leva a vislumbrar que o Mindelact é um festival que tem responsabilidades não só ao nível do intercâmbio teatral como da criação de públicos. E esta questão esteve bem presente nos bastidores do evento, quando se questionava que tipo de público é este o do festival, se é um público que vem ao teatro pela simples motivação lúdica, ou se é um público reflexivo, que questiona a vida depois da cortina fechar. Pela reacção do público em peças mais contemporâneas, onde já não é o riso que toma parte, mas sim o silêncio cúmplice, facilmente concluo que o paradigma de recepção é ele mesmo já amplo e rico. Certamente observamos fortes aplausos em todos os finais de espectáculo, característica peculiar do público cabo-verdiano, mas a respiração do público no decorrer da peça é termómetro confiável de teorias de recepção. Longe vai o tempo em que o teatro era somente lúdico, onde se ia ao teatro para «passar um bom bocado», com o que isso tem de válido obviamente. Hoje, em pleno festival Mindelact sente-se a inteligência do público cabo-verdiano, o que provoca uma reacção muito positiva no próprio fazer teatral. As consequências desta exigência são a óbvia aprimoração qualitativa dos projectos cénicos. E neste ponto o festival teve grande responsabilidade, pois possibilitou o alargar dos referenciais trazendo estéticas outras até Cabo Verde e criando um público exigente, possível pelo próprio carácter dum festival.
Se nesta minha reflexão salientei o facto do espírito de festa que se viveu no festival, as boas trocas energéticas e artísticas entre os agentes teatrais nacionais e internacionais, o mais importante neste momento é sublinhar a força deste evento na criação dos paradigmas referencias, a eficácia do Mindelact na construção de bases e conhecimentos necessários aos fazedores de teatro, diminuindo o fosso com o paradigma universal, acabando com a desinteressante basofaria nacional, criando um espaço critico e de crescimento artístico.
Este ano o festival começou logo com a amputação dos recursos financeiros, mas que apesar de tudo não acinzentou esta festa, devido ao espírito da equipa de produção, que teimosamente se esforça por gerir este acontecimento sem se deixar cair no desânimo. Vem provar que já nada fará demolir este festival, já é um acontecimento que faz parte da vida dos cabo-verdianos. E assim aconteceu!
A programação do festival, como aconteceu nos anos anteriores prezou pela variedade, sendo que ao nível da qualidade sentiu-se alguma expectativa frustrada. Alguns grupos foram presença repetida, o que pesou um pouco na avaliação por parte do público, que a cada ano que passa está mais exigente, como se espera. O que vem por si demonstrar que o festival cria já um universo de expectativa, faz já parte do projecto teatral desta nação. E nos pós-espectáculos vive-se informalmente momentos fantásticos de reflexão colectiva sobre o fazer teatral.
Vindos de Portugal, Brasil, Canárias, Espanha, Angola e das ilhas, os grupos convivem lado a lado, trocando experiências tanto teatrais como pessoais. Mas apesar deste saudável intercâmbio ainda se sente alguma timidez por parte dos grupos nacionais, que teimam em se manter um pouco à parte desta troca, com excepção dos grupos de S. Vicente, que por questões práticas quase todos têm elementos na organização o que facilita o convívio. Apesar de algumas situações menos lúcidas acontecidas no pré-festival com o grupo Solaris, o certo é que a energia que pairava no festival fez esquecer estes pequenos quiproquos e aí os tivemos, os elementos do Solaris a construírem eles também esta festa. O que demonstra o poder do Mindelact. O espírito de Dionisios esteve sempre bem presente entre o palco principal, o pátio e a rua.
E este espírito dionisíaco foi vivido em pleno no quarto dia do festival. Completamente off off, os grupos se cruzaram no bar do festival e entre palavras e músicas sente-se um verdadeiro ritual orgiástico de partilha de mundos e experiências. Por volta da meia-noite no Centro Cultural do Mindelo, cantou-se o fado, a morna, o flamengo andaluz e palavras cruzadas de outros mundos, num perfeito improviso de festa e assim se sentiu a verdadeira consciência de festival, de mundos que se cruzam, não só mundo teatrais mas experiências pessoais ricas de emoção e risos. E o brilho desta noite teve eco nos dias seguintes, ecos de felicidade, de cumplicidade. Pois, como mesmo salienta o seu director, este festival é batalha ganha, mais que não seja, pelo sentido de partilha, de amizade e criatividade vivido entre os grupos participantes.
Mas sente-se que as questões de qualidade têm peso fundamental na apreciação do festival, e o público já não é de conquista fácil, já não se deixa deslumbrar pela única questão de concretização de um festival, é exigente, o que me leva a vislumbrar que o Mindelact é um festival que tem responsabilidades não só ao nível do intercâmbio teatral como da criação de públicos. E esta questão esteve bem presente nos bastidores do evento, quando se questionava que tipo de público é este o do festival, se é um público que vem ao teatro pela simples motivação lúdica, ou se é um público reflexivo, que questiona a vida depois da cortina fechar. Pela reacção do público em peças mais contemporâneas, onde já não é o riso que toma parte, mas sim o silêncio cúmplice, facilmente concluo que o paradigma de recepção é ele mesmo já amplo e rico. Certamente observamos fortes aplausos em todos os finais de espectáculo, característica peculiar do público cabo-verdiano, mas a respiração do público no decorrer da peça é termómetro confiável de teorias de recepção. Longe vai o tempo em que o teatro era somente lúdico, onde se ia ao teatro para «passar um bom bocado», com o que isso tem de válido obviamente. Hoje, em pleno festival Mindelact sente-se a inteligência do público cabo-verdiano, o que provoca uma reacção muito positiva no próprio fazer teatral. As consequências desta exigência são a óbvia aprimoração qualitativa dos projectos cénicos. E neste ponto o festival teve grande responsabilidade, pois possibilitou o alargar dos referenciais trazendo estéticas outras até Cabo Verde e criando um público exigente, possível pelo próprio carácter dum festival.
Se nesta minha reflexão salientei o facto do espírito de festa que se viveu no festival, as boas trocas energéticas e artísticas entre os agentes teatrais nacionais e internacionais, o mais importante neste momento é sublinhar a força deste evento na criação dos paradigmas referencias, a eficácia do Mindelact na construção de bases e conhecimentos necessários aos fazedores de teatro, diminuindo o fosso com o paradigma universal, acabando com a desinteressante basofaria nacional, criando um espaço critico e de crescimento artístico.
3 Comments:
obrigada pelo comment Catarina, enriqueceu com certeza este espaço. beijos
Mike,
Venho tão pouco ao teu blog. Culpa tua, amiga: pões um post a cada ano (ahahahah).
Desta vez passei por cá, li este post e pensei: "do caraças!" Para além de fazeres bem o teu ofício (meu julgamento), escreves bem. Conseguiste transmitir o que realmente se sente no ambiente do festival. Também senti isso. E ao sentir isso, pensava: quantos caboverdianos, Srs Doutores, não fazem a mínima ideia da experiência riquíssima que se vive aqui...a poucos quilómetros de casa? Eu fiquei completamente apanhado e vou tentar voltar lá todos os anos.
Beijo
César Schofield Cardoso
Olá Micaela. Sou Clara Trigo, de Salvador, Bahia, Brasil. Estive no Mindelo em época de Mindelact há 9 anos atrás. Hoje procurei por notícias desse festival e me deparei com o seu blog. Você presta um enorme serviço ao seu país por isso, além da sua escrita fluida e intensa. De outra forma, eu poderia não saber mais nada sobre esse festival e mesmo sobre Cabo Verde. Parabéns! Como dirijo um festival no Brasil, gostaria de ter mais informações sobre o Mindelact. Você poderia me ajudar? Recebem também dança? continua sob a direção de João Branco? existe um período de convocatória para trabalhos? fazem parcerias com outros festivais? Um abraço e continue firme!
Clara.
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