sexta-feira, julho 07, 2006

Cena Aberta apresenta O último desejo na Praia

Será o amor um sentimento que vai para além da morte?
Levará a força do amor, a uma inevitável entrega ao destino final?
Foi com estas ideias e com palavras doces e profundas que o grupo de teatro Cena Aberta se apresentou nos últimos dias 23 e 24 no palco do Centro Cultural Português da Praia, com a peça O Último Desejo, texto e encenação de Wilton Alexandre, inserido na actividade Março Mês de Teatro.
Uma história dum amor perdido no meio da hipocrisia e da inveja, um amor perdido algures nos terrenos áridos do poder. Foi o amor na Praia, vindo de tempos idos da nossa história.
Com um ano de existência e na sua terceira produção, o grupo é dirigido por Wilton, que assegura o texto dramático e o texto teatral, ou seja, na sua solidão passa para as palavras as suas personagens e suas histórias e num momento posterior partilha com o seu grupo estas viagens dramáticas para com eles oferecer ao espectador uma obra cénica.
O Cena Aberta possui já um público cativo, a ver pela lotação da sala em ambos os dias de apresentação, e cria já um universo de expectativa que em tudo favorecerá a sua exigência e criação. Porque é importante que na Praia se comece a criar públicos, se comece a fidelizar espectadores, pois são eles a terceira ponta do triângulo cénico e parte fundamental no processo criativo. Do repertório deste grupo faz ainda parte uma produção infantil, que é importante sublinhar, pois é mais do que essencial que despertemos para a fundamental sensibilização teatral na infância.
A peça que a Praia teve oportunidade de ver, O Último Desejo, é uma peça sobre um tema universal, o amor, foi escrita já há alguns tempos, quando Wilton chegou em Cabo Verde, possui nas suas entrelinhas um horizonte referencial do seu país de origem, Brasil, mas foi eficazmente actualizado para uma realidade cabo-verdiana, sendo que pela sua temática universal, sem grandes dificuldades esse trabalho foi possível.
O encenador no entanto defendeu que «não quero pegar na cultura de Cabo Verde, porque é muito íntima, e não possuo essa intimidade com ela, logo, por respeito a isso, pego sim na história, nos factos históricos». E assim vemos na peça, as questões do português vs. crioulo e o lugar que ambos ocupam, respectivamente a língua do senhor poderoso vs. língua da criadagem; a questão da proibição da Tabanca; etc.; sendo que estes factos históricos são, sem dúvida alguma, a base cultural de um povo.
Não existe cultura alheada da história, e Wilton conseguiu eficazmente, sem compromisso de «intimidade» abordar as questões culturais. Tudo isto foi possível graças ao trabalho exaustivo de pesquisa levada a cabo por ele, num trabalho positivamente obsessivo.
Se a dramaturgia é assumidamente um elemento maduro na peça, o mesmo já não se reflecte no trabalho de interpretação, facto que tem sido muito constante na maioria das peças que se apresentaram neste Março - Mês de Teatro. Os actores não conseguiram eficazmente dar o pulo na interpretação das suas personagens e estóreas. Encontramos nesta peça um elenco muito frágil, com uma nítida falta de entrega e de obsessão criativa. E vemos desfilar no palco um mundo de clichés desinteressantes, de narradores de si próprios, debitando o texto e as marcações, sem que se encontre contracena, desafio e surpresa. Se temos como realidade a falta de formação a nível do trabalho do actor, facto sem dúvida com grande peso, não podemos no entanto permitir a ausência de energia, de desfrute, que nada tem a ver com técnica de interpretação.
Durante a peça ficamos com a sensação de «clima morno», de ficarmos a meio caminho para a personagem e para a cena, mesmo havendo alguns momentos de energia e entrega de actor.
Penso que estamos num ponto do teatro em Cabo Verde, que temos que exigir, temos que pular aquele «fazer teatro amador», com o que isso possa ter de negativo. Se chamamos o espectador até nós, temos que lhe dar tudo a que ele tem direito, e principalmente temos que gozar o teatro, que nos surpreender e nos enriquecer.
Não há nada de mais maravilhoso, do que ter a possibilidade de sermos outra pessoa por uma noite, e temos que agarrar isso com unhas e dentes, para que depois dos aplausos, sintamos a satisfação de missão cumprida.
De sublinhar ainda a subtileza e harmonia da música de Djoy Amado, que instalou na sala o clima de satisfação e beleza.
Encontramos ao longo da peça, e apesar das dificuldades de interpretação, uma fluidez e uma cumplicidade do público, um entendimento perfeito das dores do amor, que no poema final (belo, mas questionável a sua utilidade na dramaturgia) estão estampadas. No entanto, por vários momentos caiu-se em alguma redundância na peça, e em opções que em nada contribuíram para eficácia da peça (como por exemplo a presença do espectro-criança). O público é inteligente, não esqueçamos isso, e sempre a arte fica mais rica quando em vez de explicitar, sugere.
O público aplaudiu, satisfeito.
Cena Aberta, que vem experimentando várias linguagens e estilos teatrais, tem já em carteira a peça Quando as máquinas param, de Plínio Marcos, a estrear em breve. O público ficará à espera da nova viagem que o grupo permitirá e Cabo Verde verá assim mais uma vez enriquecido o seu percurso cénico.
Hoje sexta-feira, pelas 20.30 no Centro Cultural Português da Praia assiste-se à peça 24 Horas na vida de um morto pelos alunos do Curso de Teatro do CCP da Praia e ás 21.30 no Auditório Nacional pode-se ver a peça Profecia de um crioulo pelo grupo Fladu Fla.E assim fechamos o Março - Mês do Teatro, esperando que hajam agora Abril, Maio…e outros tempos para o teatro.