sexta-feira, julho 07, 2006

Fladu Fla apresenta-nos a Profecia do Crioulo

No passado dia 3 de Março, a cidade da Praia pode assistir a Profecia do Crioulo, oitava produção do grupo de teatro Fladu Fla. Este grupo com 4 anos de existência sedeado na Cidade da Praia trouxe-nos até nós as questões da identidade cabo-verdiana e relevou para a Língua o papel de abrir essa discussão.
Nas palavras do encenador, Sabino Baessa, a ideia deste espectáculo surgiu no momento em que o Ministro da Cultura de Cabo Verde se encontrava com linguistas americanos para discutir se o crioulo deveria ao não ser língua oficial. A partir daqui foi um deambular de ideias e de escritas de forma a que a dramaturgia se responsabilizasse por transmitir a ideia clara de que o crioulo é pilar da identidade. Assim se nos apresenta esta peça.
Sabino procura com a peça sensibilizar a comunidade para o processo de oficialização do crioulo, sem no entanto, e isso é visível no uso das palavras de Amílcar Cabral usadas na peça, fechar as fronteiras linguísticas de Cabo Verde. Estamos perante a premissa da identidade necessariamente universal que encontramos anteriormente em discursos de Francisco Fragoso, homem de teatro, e que sem ser por acaso, participou nesta criação teatral. Francisco Fragoso, assim como Mano Preto, ainda um psicólogo, um linguista, um músico, um teólogo e ainda um jornalista são o corpo do Concelho Superior da Associação Fladu Fla, o que nos leva a crer que já não falamos em teatro efémero que tanto domina os palcos praienses.
Há toda uma organização, com um projecto teatral concreto.
Mas se podemos elogiar este esquema organizacional, não podemos no entanto ressalvar que as condições de produção, como seja o tempo de ensaios (cerca de três horas por semana, durante um a dois meses), os parcos meios de divulgação, assim como a indisponibilidade devida do espaço de apresentação do espectáculo, deixa o espectáculo um pouco frágil a nível performativo. O espaço amplo que é o palco do Auditório Nacional, ao qual os actores só tiveram acesso no próprio dia do espectáculo criou-lhes várias dificuldades, tanto ao nível da projecção de voz voz, como do movimento. Em dados momentos do espectáculo sentia-se que algo se perdia naquele espaço imenso, o espaço que se apresentava perante os nossos olhos raramente coincidia com o espaço de acção.
Por outro lado, e se nos encontramos num momento em que as grandes narrativas morreram, a opção de encenação deste espectáculo favorece a apresentação de quadros em detrimento de histórias fluidas, aconteceu que o espectador várias vezes perdeu o fio à meada, seja pelas diferentes estéticas que se cruzaram (temos quadros que nitidamente apostam na convenção teatral e quadros absolutamente naturalistas), seja ainda pela pouco exigente dramaturgia. Ainda devido às questões técnicas que provocaram demoradas mudanças de cena, várias vezes a ficção caiu.
A peça começou com uma promessa de um teatro experimental, do uso do símbolo do pelourinho, do uso perfeito dos figurinos e do movimento (perfeita performance dos actores, com especial relevo para o escravo fugitivo) criando uma atmosfera que deambulava entre o teatro físico e o teatro pobre, abandonando no entanto essa promessa com o decorrer da peça, transferindo o espectador para a tão apresentada estética popular e naturalista que a Praia já esgotou.
O público riu, identificou-se, mas sentiu-se na sala um certo desconforto de quem tem que viajar sem perder o rumo. Se com Sabino Baessa e Francisco Fragoso a temática amadureceu, coube a Mano Preto um dos momentos altos da peça, com a introdução dos tão apreciados ritmos e movimentos do Raiz de Polon, em que pudemos por momentos abandonar a viagem e simplesmente usufruir a paragem. E na sala respirou-se.
De salientar ainda a brilhante contracena de Nancy e Isa, respectivamente as nossas crioulas Samira e Sara que mostraram no uso perfeito da riqueza oral de Cabo Verde e no traço interessantíssimo dos seus movimentos o verdadeiro teatro, a arte plena da representação.
Com todas as condicionantes citadas, o grupo aí está para crescer e para surpreender. Para quem não viu, o grupo volta a apresentar-se ainda este mês no dia 31, tendo ainda previsto Tribunal de Sentimento, um novo espectáculo a estrear em breve.
Percebe-se que a Praia começa a viver outros tempos teatrais, ao lado da madura actividade Março - Mês de Teatro, organizado pelo Centro Cultural Português e Associação Mindelact, começamos a ver crescer independentes produções de palco.