Maria Badia no CCP Praia
Com encenação e direcção musical de Princezito, Célia Varela apresentou-nos a sua mulher badia no passado dia 15 de Março no palco do CCP da Praia, enquadrado na programação do Março - Mês do teatro.
É o nascimento de mais um autor teatral no tecido praiense, que apesar da sua inexperiência nos trilhos cénicos, apresenta momentos e ideias interessantes.
Com esta peça Princezito procurou trazer as vivências profundas do quotidiano, numa abordagem sem auto-censura, ou seja, trazer o quotidiano tal como ele é vivido com as coisas mais e menos poéticas. È a mulher a as agruras diárias da sua dura vida que é explanada neste pedaço de arte dramática.
A peça apresenta-nos três momentos distintos da vida desta mulher: os sonhos sedutores e eróticos; o trabalho nas sementeiras e a venda no mercado do peixe de todos os dias.Num primeiro momento, em que o público é levado a mergulhar numa atmosfera de sonho e de desejo, através do uso da sombra chinesa, o autor torna claro o carácter não-fabricado da sedução badia, uma sensualidade que não se quer escondida. A acompanhar este momento temos algo inovador nos palcos da Praia, o suporte multimédia ao lado da actriz, num complemento interessante e eficaz, sendo que um segundo momento do uso da imagem, pareceu um pouco insípido e injustificável, ou pelo menos não tão eficaz.Nos dois momentos posteriores, o da sementeira e da venda do peixe transportaram-nos já para um naturalismo já não tão interessante, onde a passagem da história para fora do palco não era uma madura opção dramatúrgica mas um abandonar da ficção que por si já estava ausente e daí este incómodo dum sair sem nunca ter entrado.
Célia Varela foi aluna do Curso de Iniciação Teatral realizado no Centro Cultural Português no último ano, e já não é a primeira viagem nos palcos, o que nos levou a esperar mais desta jovem actriz.
Esta peça teve a particularidade de ter sido ensaiada somente durante quinze horas aproximadamente o que talvez justifique a frágil representação de Célia (mais o facto de ser um monólogo, com o que isso tem de exigente), com francas dificuldades de projecção de voz, de consciência do espaço e da luz, e uma ausência de entrega á Maria, tendo mesmo Princezito assumido este espectáculo como «uma entrada no mundo do teatro, um ensaio, apresentado mesmo antes de amadurecer». Quase sempre estávamos perante a Célia Badia e não a Maria Badia. No entanto de frisar, os preciosos momentos de vendedora que apregoa o seu peixe.
Princezito, com cinco comédias já escritas (duas são monólogos) assume-se mais como um escritor de peças do que propriamente um encenador, o que talvez justifique as inocentes e pouco criativas opções de encenação, de salientar no entanto o inovador uso do suporte multimédia assim como a inserção da contracena com um personagem imaginado, o que eficazmente levou o público a render-se a tão propositado momento cómico.
Por momentos, questiona-se se estamos perante um acontecimento performativo ou um espectáculo de teatro. Raramente durante o espectáculo se cria a ficção, se cria personagem. Assistimos a quadros situacionais com o espectador no mesmo tempo e no mesmo espaço que a Maria Badia.
Tendo no entanto sido claro que na versão portuguesa da peça isso foi mais evidente, o que nos leva a retomar a tão presente questão da língua e a identidade. O crioulo foi sem dúvida um melhor suporte na criação, enquanto que o português provocou uma inibição no trabalho de actriz.
Neste espectáculo e como vem sendo usual nestas andanças, as frágeis condições de produção, a carência ao nível técnico foram motivos evidentes de penalização do espectáculo, mas começamos a entender por estas terras que o trabalho tem sempre que ser obsessivo para poder dar frutos e que em terrenos áridos, com esforço e dedicação pode-se fazer nascer uma flor.
Esta peça está aí para andar e há já algumas possibilidades de ser apresentada noutros lugares em Santiago, o que nos dá o conforto de que concerteza será amadurecida.Março – Mês do Teatro continua hoje com a apresentação da peça vinda do Mindelo, O Doido e a Morte, com o Grupo do Centro Cultural Português e encenação de João Branco.
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