quinta-feira, dezembro 20, 2007

O Amoroso em Três Partes – Burbur



No passado dia 3 de Dezembro estreou na cidade do Porto a terceira produção da Associação teatral Burbur.
A peça é composta por 3 quadros e uma morna cabo-verdiana. Estes quadros correspondem a três textos distintos: um cabo-verdiano - «De quem são os teus olhos» de Gabriel Mariano, um português - «O Iconoclasta» de Fernando Amado e um brasileiro - «Olhos negros» de Paulinho Assunção. Por esta selecção se percebe que a lusofonia é a pauta pela qual se constrói este espectáculo, desde a dramaturgia até aos próprios intervenientes de várias nacionalidades lusófonas.
Para dirigir este espectáculo foram convidados três encenadores, respectivamente Kwame Kondé, cabo-verdiano; Rogério de Carvalho, angolano e Rui Duarte, português e director artístico do grupo.
Esta encenação faz parte dum projecto no qual culminará ainda um registo videográfico, ou pelas palavras dos seus intervenientes, uma «adaptação da peça em três curtas-metragens.»
Não cabe neste espaço reagir/reflectir ao projecto na sua totalidade mas um breve tecer de considerações em relação ao espectáculo apresentado.
O «amoroso», ou os pulsares do amor na figura masculina são o fio tecedor deste espectáculo. Para além do conteúdo temático encontramos uma similar forma textual nas três proposta, textos algo fragmentários, breves. Um poema dramático, um texto especificamente dramático e um conto. Três formas textuais que servem o mesmo propósito, falar do amor no palco.
O espectáculo inicia-se com uma morna cabo-verdiana - «Mudjer Bonita» de Eugénio Tavares, que apesar de bem executada e de nos transportar para o clima quente e sedutor de Cabo Verde, apresenta-se como algo desligado do espectáculo na sua totalidade, servindo no entanto para contextualizar o primeiro quadro de Kwame Kondé. Levanta-se-me a pergunta: «Com que propósito esta morna?».
Em relação ao quadro de Kwame Kondé, a encenação de «De quem são os teus olhos» mostra-se algo frágil, deixando à performance dos actores todos os créditos. Flávio Hamiltom e Odete Mosso, já deram provas da sua exigente actuação e dedicação em trabalhos outros, mas neste quadro sente-se alguma fragilidade na acção e não ousam surpreender o espectador, resumindo a sua acção a um jogo «dejá-vu» de jovens enamorados. O texto de Mariano vale por si, mas poderia ter tido a mais valia dum bom traçado cénico. Ficou um pouco aquém do que estes actores nos habituaram.
O segundo quadro, encenação de Rogério de Carvalho apresenta-se como o mais maduro teatralmente, com um excelente trabalho de direcção de actores, assim como o desempenho destes. Este quadro revelou-nos um texto bastante interessante, e basicamente desconhecido do público. Prendeu o espectador ao desenrolar desta aventura em busca do «amor iconoclástico». Neste quadro como nos outros dois, temos um palco vazio, onde os actores apenas se servem de alguma peças de mobiliário imprescindíveis à acção. Apesar de o texto ser bastante realista, a simplicidade com que foi trabalhado em palco acabou por concentrar o espectador nas contracenas, motor por excelência deste segundo momento do espectáculo.
O terceiro quadro, a partir do conto de Paulinho Assunção, encenado por Rui Duarte foi o quadro onde mais se espelhou a estética a que os Burbur nos habituou nos trabalhos anteriores. È um quadro onde a palavra é o simples pretexto para a acção, a acção ultrapassa-a, e vemos uma proposta de encenação bastante interessante. Mas no entanto pelo carácter fugaz e breve deste quadro, no seu término o público é surpreendido pelo fim anunciado e como que se sente na plateia um «saber a pouco».
Durante cerca de uma hora o espectador viajou por três estéticas bastante distintas, três propostas que se ligam, e repito, pela sua temática e seu carácter de texto curto, com um bom ritmo e sem lugar ao aborrecimento.
O local escolhido para a apresentação da peça, o Auditório do Museu Soares dos Reis, é um espaço pouco usado para este tipo de actividades, o que daí se deduz, é um espaço que ainda não produziu público. Logo, o público presente nestes cinco dias de apresentação será, sem dúvida, um público dos Burbur, criando já esta grupo um certo universo de espectactiva no seio da cultura teatral portuense.
Ficamos a aguardar a sua nova proposta.